PLEBISCITO POPULAR: EM BUSCA DE UMA
NOVA POLÍTICA.
FONTE: http://www.pagina13.org.br
Movimentos
populares do Brasil inteiro se organizam desde novembro para a realização de um
plebiscito popular que visa colher 10 milhões de votos para viabilizar a
realização de uma Constituinte Exclusiva à reforma política
Por
Marcelo Hailer
Publicado
originalmente em: Revista Fórum
No
auge das manifestações de junho de 2013, a presidenta Dilma Rousseff, a partir
de um pronunciamento nacional, apresentou a proposta de uma Constituinte
Exclusiva à Reforma Política, que consistia na participação popular para
decidir o que seria alterado no atual sistema político.
Porém,
a proposta mal teve tempo de respiro: a reação dos setores tradicionais da
política e da área jurídica foi rápida na desqualificação da proposta
apresentada pela mandatária do Brasil e o Congresso Nacional cumpriu o seu papel
de sempre: trabalhar para manter tudo como está. A reforma não saiu e as
demandas apresentadas pelas manifestações que tomaram as ruas do país… Nas vias
públicas permaneceu.
Frente
a este cenário, movimentos sociais, partidos políticos da esquerda brasileira e
boa parte dos grupos que estiveram juntos nas manifestações de junho se
organizaram e lançaram em 15 de novembro a campanha nacional Plebiscito Popular
por uma Constituinte Exclusiva da reforma política que,
desde então, está se organizando e atraindo novos aliados à luta, que culminará
na realização de um plebiscito popular na semana da pátria, de 1 a 7 de
setembro, e que tem por objetivo colher dez milhões de votos.
“Uma
Constituinte Exclusiva é um poder democrático de ruptura com a ordem
estabelecida para criar uma nova Constituição. Ela é exclusiva pois é eleita
para fazer a nova Constituição e depois se dissolve”, explica José Luiz Quadros
de Magalhães, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Talvez, justamente por romper com a ordem existente e
consequentemente arrancar privilégios dos grupos que estão no poder há décadas,
é que ela é alvo de ataques dos grupos conservadores.
A
democracia avança com a realização da Constituinte Exclusiva para a reforma
política?
“Sem
reforma política e sem reforma democrática dos meios de comunicação a gente não
vai conseguir avanço, inclusive em outras áreas que precisamos avançar, como
saúde e educação. E a reforma política é uma pauta que não é recente, mas nós
temos muitas dificuldades de fazer essa discussão no Congresso Nacional, porque
hoje os parlamentares escreveram uma reforma política que só vai manter os seus
próprios interesses”, critica Renata Mielli, da comissão executiva do Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação. O deputado federal Chico Alencar
(PSOL-RJ) declarou que a Constituinte exclusiva para reforma política pode
trazer “mais autenticidade na percepção, pois aprofunda a democracia no
Brasil”. “Ela também dará ao parlamentar uma autonomia muito maior, ele não vai
estar preocupado com a reedição de seu mandato. Vai ser composta por grupos
designados pelos partidos e, claro, determinados pela população que vão poder
se empenhar exclusivamente nessa questão da reforma política, ouvindo a
população e dando prioridade ao tema para o qual foram eleitos”, comenta o
parlamentar.
Além
do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido dos Trabalhadores (PT)
também assumiu a linha de frente na mobilização pelo plebiscito popular por uma
Constituinte Exclusiva da reforma política. Bruno Elias, secretário nacional de
Movimentos Sociais do PT, acredita que a reforma política só vem com a
participação popular. “Daí a importância de a gente desencadear uma campanha
por uma Constituinte exclusiva que os mandatos sejam eleitos exclusivamente
para reformar as instituições, para ampliar a democracia e, para isso, nós
estamos apoiando a participando da campanha pelo Plebiscito Popular por uma Constituinte
Exclusiva para Reforma Política. O Congresso Nacional, nos últimos anos, não
tem sido capaz de fazer a reforma que a população tem reivindicado”, analisa
Elias.
O
professor Magalhães afirma que não existe outro caminho para se fazer, de fato,
uma reforma política. “O nosso Congresso, especialmente o Senado, é cartorial,
privatizado, familiar, formado por castas políticas que dominam o país, algumas
desde 1822. É claro que estas pessoas, que não representam o povo, vão legislar
segundo os seus interesses e daqueles que os financiam”, critica Magalhães.
A
não mercantilização das campanhas políticas
Entre
os partidos políticos e movimentos organizados da sociedade civil que lutam
pela reforma política, um eixo é unânime: o fim do financiamento privado das
campanhas políticas, pois este é tido como principal mola propulsora dos
escândalos de corrupção na história recente da política brasileira, visto que,
a partir do momento que empresas empenham milhões de reais em campanha de
determinados candidatos, paira a ideia de que, mais do que apoiar o projeto
político, está se fazendo investimento futuro. Portanto, o financiamento
público é eixo central da reforma política proposta pelos movimentos populares.
“Em primeiro lugar, ter a eleição de forma mais igualitária sem a participação
empresarial, ou seja, pessoa jurídica não deve contribuir com campanha;
garantir o financiamento público exclusivo e o forte controle de qualquer curva
a esse lançamento e que implique, inclusive, cassação das candidaturas e cassação
do partido político. Nós podemos discutir o espaço para a contribuição da
pessoa física desde que se estabeleça um limite, como, aliás, é a iniciativa da
proposta popular”, aponta Chico Alencar.Magalhães também pontua que a
democratização da mídia deve ser ponto central da reforma política, além de
outros. “Financiamento público de campanha; cotas para minorias: mulheres,
indígenas, quilombolas, LGBT e qualquer grupo que tenha sido excluído ou
ocultado; sorteio de representantes; a busca de uma democracia consensual;
lista fechada e fidelidade partidária; busca de uma democracia plural,
processual, pluriétnica, plurijurídica, pluriepstemológica e fim de qualquer
financiamento privado”, elenca o professor. O secretário nacional de Movimentos
Sociais do PT também atenta para o fato da questão de gênero na reforma
política. “Defendemos a ampliação da participação das mulheres, o voto em lista
pré-ordenada para fortalecer os partidos programáticos. Outra pauta que nós
defendemos é a ampliação dos canais de participação popular: simplificando a
convocação dos plebiscitos, referendos e ampliar também a participação em
ambientes virtuais”, diz Bruno Elias.
Mielle
também diz que o financiamento privado das campanhas tem de acabar, pois, em
sua concepção, “os recursos privados são os que determinam quem é eleito e
quando você fica dependente de recursos que vêm do setor privado você acaba
firmando compromisso que depois pode comprometer o interesse público no
exercício do mandato, seja executivo ou parlamentar”. Além disso, a ativista
pela democratização dos meios de comunicação acredita que é urgente
“despersonalizar a política, pois hoje as pessoas votam na pessoa e não projeto
político, mas, o financiamento público de campanha é o ponto nevrálgico nesse
debate”.
O
resgate da Democracia Direta e Participativa
As
manifestações de junho não apenas fizeram com que reivindicações de décadas
tomassem em definitivo as ruas como também deixou claro que a população deseja
participar mais da política e das decisões tomadas por aqueles que foram
eleitos. E, na ânsia por mais participação, os conceitos de Democracia Direta e
Participativa ganharam mais força e retomaram o centro do debate político. A
organização representativa dos poderes entrou em xeque: os sujeitos não querem
mais apenas deliberar a partir do voto, querem participar e decidir como os
mandatários vão conduzir os seus cargos. E é isso que faz com que haja fortes
reações contra a realização de uma Constituinte Exclusiva à reforma política,
pois os privilégios podem estar com os seus dias contados.
“Vem
crescendo nos últimos anos esse empoderamento da sociedade e os dois governos
Lula (2002-2010) tiveram demonstração importante disso com a realização de
inúmeras conferências participativas, que é um instrumento de participação e
empoderamento da população. Teve também uma iniciativa popular de Projeto de
Lei que coletou mais de dois milhões de assinaturas, que era por mais verba na
saúde e que hoje está tramitando no Congresso Nacional. E o nosso projeto (Para Expressar a
Liberdade) e o da reforma política são um movimento que
mostram que, além do voto, há outras maneiras de participação diretamente e,
talvez, até mais importante”, acredita Renata Mielli.
Para
Alencar, o resgate dos projetos de Democracia Direta e Participativa é “muito
saudável” e coloca alguns desafios. “Combinar a democracia representativa que
ainda tem lugar no mundo, que não tem o poder de reunir todo mundo, mas ainda
permite o controle e certa participação popular, portanto, a democracia
representativa precisa ser muito melhorada, mas ainda tem lugar. Ela tem que
ser energizada com a Democracia Participativa através de manifestações
frequentes, plebiscitos, referendos e a presença em conselhos. E a Democracia
Direta com os conselhos populares ou a cobrança direta através dos movimentos
de mobilização que os governos têm que ouvir e têm que ter atenção. Isso ainda
é muito pouco praticado no Brasil, mas são formas mais autonomistas e que, aos
poucos, vão encontrando mais espaço na sociedade brasileira, felizmente”,
comemora o deputado.
Elias
também considera como “eixos fundamentais” da reforma política a questão da
Democracia Direta e Participativa. “Grande parte daquelas mobilizações que
apontavam ‘isso não me representa’ como um mote, de certa maneira dialogava com
essa necessidade de o sistema político se abrir para a participação popular,
criar canais de participação, então, a reforma política deve responder a isso.
Hoje, para se convocar um plebiscito, um referendo, para dar início a um
projeto de iniciativa popular há uma demanda muito grande. Então, nós
precisamos reivindicar e ampliar as possibilidades de participação popular”,
diz o ativista.
Como
se vê, a pauta da reforma da política acrescida da realização do plebiscito
popular pela Constituinte Exclusiva é complexa e envolve a edificação de um
novo sistema político que visa derrubar privilégios e aproximar o sujeito da
política feita dentro dos espaços de poder. A tarefa não é fácil, mas está
dada. O Brasil pode estar a um passo de reformar verdadeiramente o seu sistema
político e entrar em um novo ciclo histórico: mais democrático, igualitário,
equânime e participativo. A realização da Constituinte Exclusiva é a grande
oportunidade de estancar enormes disparidades e privilégios detidos por uma
classe política que, em sua maioria, foi reprovada pela população brasileira
nas ruas de junho passado.
O
que é uma Constituinte exclusiva?
Desde
que a presidenta citou a Constituinte exclusiva à reforma política, surgiram
várias questões: é possível? Como ela funciona? Quem participa? Pra elucidar
essa e outras questões, fizemos um bate-bola com José Luiz Quadro de Magalhães,
professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
O
que difere a Constituinte exclusiva das outras Constituintes?
O
poder constituinte na teoria da Constituição moderna (ou seja, desde a
Revolução Francesa) pode ser dividido em poder constituinte originário (o poder
de ruptura para fazer uma nova Constituição e inaugurar uma nova ordem
constitucional; o poder constituinte derivado (o poder de reformar a
Constituição fruto do poder constituinte originário); e o poder constituinte
decorrente, que é o poder dos Estados-membros e municípios se organizarem em
uma federação.
Uma
Constituinte exclusiva é um poder democrático de ruptura com a ordem
estabelecida para criar uma nova Constituição. Ela é exclusiva pois é eleita
para fazer a nova Constituição e depois se dissolve. A Constituinte para fazer
a reforma política é uma novidade: é um poder constituinte originário, pois é
soberano, ou seja, não se limita, na ordem jurídica vigente, nem pelo
Congresso, nem pelo Judiciário (inclusive o STF), nem, tampouco, pelo
Executivo; é exclusivo, pois será eleito somente para fazer a reforma; é
temático, pois (e aí está a novidade) será eleito somente para fazer a reforma
política sem limites no atual sistema. Assim, resumindo: poder constituinte
originário inaugura uma nova ordem; exclusivo pois eleito para cumprir esta
tarefa e depois se dissolve; e temático, pois se limita a fazer a reforma
política apenas, e isto é uma novidade, plenamente possível e sustentável
diante da teoria da Constituição.
Na
Constituinte exclusiva será eleito número igual de representantes da sociedade
civil ao da Câmara dos Deputados. Qualquer cidadão pode participar?
Nós
estabelecemos livremente as regras. Deve ser democrática para ser legítima.
Assim, a eleição para a Constituinte exclusiva, popular e temática não deverá
se limitar à representação de partidos políticos. Todos podem se candidatar,
representantes dos movimentos sociais, etnias, minorias (todas), enfim toda a
sociedade. Por isto o financiamento da campanha só poderá ser público e
igualitário.
Posteriormente
à eleição dos representantes da sociedade civil e a redação feita da
Constituinte, ela vai a voto popular, certo?
Deverá
ocorrer um plebiscito popular com amplo debate da população para resolver sobre
a convocação de um assembleia popular democrática originária exclusiva e
temática para fazer a reforma política. Para isto será necessário um plebiscito
popular. Não se trata de um plebiscito formal, convocado pelo Estado, não. O
plebiscito popular deve ser livre, democrático e participativo. O plebiscito
formal, o voto, é um instrumento que pode ser utilizado a favor da democracia
ou não. Para que a Constituinte exclusiva e temática seja legítima, tem que
envolver todas as pessoas em um debate livre e igualitário. É necessário
controlar os abusos e mentiras da mídia. Não temos liberdade de imprensa no
Brasil. Meia dúzia de proprietários resolve o que podemos saber ou não. Assim a
democracia se inviabiliza
Aprovada
a Constituinte, o que sucede, no caso, prazo de aplicação das novas regras etc.
A
Constituinte originária (soberana e sem limites no ordenamento vigente),
exclusiva (para fazer a nova Constituição e depois se dissolve) e temática
(para fazer a reforma política), pode estabelecer as regras para seu
funcionamento. Assim, quanto a prazos, qualquer outra questão pode ser
soberanamente decidida pela Assembleia popular e democrática.
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